Artigo
UM POUCO DE
HISTÓRIA SOBRE A DENGUE
A
Dengue,
no Brasil, ultimamente, vem ocupando um grande
espaço nos noticiários radiotelevisivos, nos
jornais, nas revistas e na imprensa em geral. Não sem
razão. Regiões, nas quais, até bem
recentemente, nunca se falara nessa doença,
já a incorporaram, definitivamente, em suas
temáticas, seja nas mais populares conversas de rua, seja
nas grandes discussões, cuja natureza pública faz
com que desperte o interesse da população.
Diversas
cidades brasileiras, nos últimos anos,
estiveram, mesmo, em uma situação de
drástica epidemia, com muitas centenas, e até,
milhares de doentes, ou muito próximas disso, contabilizando
vários óbitos todos os anos.
A Dengue espalhou-se muito rapidamente pelo país,
acompanhando a dispersão do mosquito vetor.
Segundo
o
autor Hermann G. Schatzmayr (2008), nas duas
últimas décadas, o Brasil tem contabilizado cerca
de 80% dos casos de Dengue nas Américas, a cada ano, o que
pode dar uma razoável dimensão do problema dessa
infecção em nosso
país.
O
vetor da
Dengue, isto é, o instrumento através
do qual o ser humano é contaminado pelo vírus,
tem sido, desde sempre, o mesmo de hoje em dia, o mosquito Aedes
aegypti
que,
oriundo do continente africano, chegou ao Brasil –
é a teoria de maior concordância
entre os pesquisadores, hoje em dia – procriando nos
depósitos de água dos navios negreiros que, no
período colonial (século XVII), para
cá vinham trazendo escravos e aqui aportavam.
Essa
é uma doença que vem acometendo a
humanidade há muito tempo, sobretudo nos países
tropicais como o nosso. Pesquisas recentes indicam que
também o vírus teria surgido na
África; este, porém, há cerca de dois
mil anos atrás.
Alguns
autores, no entanto, consideram que a origem da
Dengue como doença deve estar na Ásia, onde havia
circulação do vírus, de forma
endêmica e apresentando uma patogenicidade baixa, em ciclos
ainda silvestres, na península da
Malásia e em outras áreas daquele continente.
Mais
uma
vez, Hermann G. Schatzmayr (2008), citando o
autor japonês Nobuchi (1979), nos informa que os primeiros
relatos sugerindo a ocorrência da doença foram
documentados na enciclopédia chinesa publicada durante a
dinastia Chin (265 a 420 d.C.). Ainda
segundo aquele autor, a doença foi chamada de veneno da
água,
entendendo que, de algum modo, estava correlacionada a insetos que
vivem na água.
Embora,
como vimos, o vetor tenha viajado nos navios
negreiros, o vírus da doença, por sua vez,
só viria muito mais tarde, aportando, inicialmente na
América do Norte e Caribe, porém, oriundo da
Ásia. Os primeiros surtos de Dengue foram
reportados no final do século XVIII, na ilha de Java
(Indonésia), no sudoeste asiático, assim como no
Cairo e em Alexandria (Egito), no ano de 1779, e na
Filadélfia (Estados Unidos), em 1780. No
século seguinte, quatro grandes epidemias assolaram o Caribe
e o sul dos Estados Unidos.
Eduardo
de
Azeredo Costa, da FIOCRUZ, assim resume o
histórico da Dengue:
“A
história desse mosquito no Brasil provavelmente
começa com os navios negreiros, mas só
há exatos 100 anos um homem, Oswaldo Cruz, resolveu
combatê-lo
frontalmente. Antes disso a atenção
concentrava-se exclusivamente numa doença grave com elevado
número de óbitos: a febre amarela.
O
cientista cubano Carlos Finlay havia demonstrado que essa
doença era transmitida pelo Stegomyia
fasciata, hoje
conhecido como Ae.
aegypti, o que
fora confirmado por Walter Reed, pesquisador norte-americano. Enquanto
muitos cientistas
ainda discutiam o assunto, Emilio Ribas em pequenas cidades de
São Paulo e Oswaldo Cruz no Rio, convencidos pela
experiência cubana, conseguiram demonstrar a
eficácia da luta contra o vetor em campo: uma
das mais belas vitórias sanitárias de todos os
tempos.
A
economia
agrário-exportadora do fim do século XIX e
início do XX dependia centralmente dos portos de Santos e do
Rio de Janeiro. A febre amarela era
endêmica na capital brasileira, com as
oscilações semelhantes às da dengue
descritas acima. Os estrangeiros que aqui chegavam, sem imunidade
alguma, desenvolviam quadro grave de elevada letalidade.
Assim, tripulações inteiras foram atacadas,
navios abandonados na baia, apareceram cemitérios de
ingleses, por exemplo. O Lombardia, navio de guerra italiano em visita
oficial de cortesia, seria abandonado
na baia da Guanabara. Na virada do século navios de
várias bandeiras recusavam-se a aqui aportar. Por isso a
higienização toma vulto na república e
Rodrigues Alves dá força
total ao jovem Oswaldo Cruz.
Em
1902
ocorreram mais de 900 óbitos por febre amarela no Rio, em
1908 ocorreram os últimos 4 daquela fase, graças
à caçada às larvas
dos mosquitos e isolamento com telamento dos doentes - afinal
não havia inseticidas (aparecem na segunda grande guerra)
para o combate às formas adultas (aladas).
O
trabalho, sem mídia televisiva ou rádio, foi
realizado por 2.500 guardas sanitários. A
população do Rio era de cerca de 700 mil
habitantes.
Grosso modo, portanto, 100 anos depois nossa
população é 10 vezes maior.
Mas
o
mosquito não foi erradicado do país e, portanto,
voltaríamos a ter no Rio uma epidemia no final da
década de 20. Na era Vargas, a luta pela
erradicação se tornou nacional e nos anos
cinqüenta conseguimos ser certificados por observadores
estrangeiros como livres do Aedes
aegypti.
Mas
outras
coisas estavam acontecendo na década de 40: a
industrialização e
urbanização acelerada do país.
Paralelamente ao combate
doméstico facilitado por novas técnicas, surgiam
novos criadouros de mosquitos de extrema eficiência do ponto
de vista do mosquito, disseminados pela indústria
automobilística: pneus e ferros
velhos.
Não
durou muito a erradicação. Em 1967,
Leônidas Deane detectaria o Ae. aegypti em
Belém (provavelmente trazido do Caribe em pneus
contrabandeados). Em 1974 já
infestava Salvador, chegando ao Estado do Rio no final da
década de 70. Em 1986, em Nova
Iguaçu, 28% dos domicílios e 100% das
borracharias
da via Dutra tinham larvas do mosquito.”
Epidemias
de outra doença, muito próxima
da Dengue, a Febre Amarela, que também é
transmitida pelo mesmo vetor, nós as conhecemos em nosso
país desde o ano de 1692, quando morreram duas mil pessoas
na cidade de Salvador, na Bahia, que
apresentou um novo surto, cem anos depois, em 1792.
A
Dengue,
por sua vez, tem suas primeiras referências
em nosso país apenas a partir do ano de 1846 quando ocorreu,
sobretudo, nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro,
Salvador, além de outras. No entanto, a primeira epidemia
documentada clinica e laboratorialmente,
ocorreu nos anos de 1981 e 1982, na cidade de Boa Vista, Roraima, com
circulação dos vírus DEN-1 e DEN-4. A
partir daí, a Dengue vem ocorrendo no país de
forma endêmica, intercalando-se
com epidemias cada vez mais presentes em nosso território.
Por
todo o
mundo, onde a doença se manifestou,
as pandemias de Dengue ocorriam a cada dez ou trinta anos,
não sendo, comum que a epidemia acontecesse em uma mesma
localidade, até os anos 1939/1945. Durante a Segunda Guerra
Mundial, a Dengue foi causa de grande
morbidade entre os soldados, de forma generalizada, de tal modo que
pesquisadores americanos e japoneses, cada um por seu lado,
empenharam-se na descoberta do agente etiológico da
doença, do qual se sabia que
era um vírus.
Assim,
em
1943, os cientistas japoneses Hotta e Kimura
foram os primeiros a isolar o vírus da Dengue. No ano
seguinte, um grupo de pesquisadores americanos, liderados pelo
médico pesquisador Albert Sabin, hoje tão
conhecido entre nós pela instituição
da vacina contra a Poliomielite (a vacina é conhecida
popularmente no Brasil como “as gotinhas”),
também conseguiu o isolamento do vírus de
soldados americanos que lutaram no Havaí.
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